quinta-feira, 14 de março de 2013

Biografia Freud: Segredos de Família

O fundador da psicanálise se revela um patriarca exigente e tirânico, cuja vida foi semeada por relações passionais e rompimentos conturbados.

Jean-Pierre Bourgeron

BETMANN/CORBIS/STOCK PHOTOS
Com o charuto, a mais famosa foto do pai da psicanálise (1922)
"Judeu, venha até aqui, gritou o cristão, após haver jogado o meu boné de pele na lama". "E o que o senhor fez?", pergunta o jovem Sigmund a seu pai Jacob. "Apanhei meu boné", responde o pai. Essa cena incomoda a criança, que prefere substituí-la na imaginação pela história de Amílcar, obrigando Aníbal, seu filho, a jurar que o vingaria dos romanos. 

Freud conta esta anedota em sua obra Interpretação dos Sonhos, publicada em 1900. Ela o marca de tal forma que, doravante, ele se torna o herói que ultrapassa o pai humilhado. Igualmente, ele vive sem religião, sem, porém, renegar seu judaísmo.
Sigmund Freud nasce na Morávia, em Freiberg, em 8 de maio de 1856. O pai, Jacob Freud, comerciante de tecidos, casa-se com Amalia Nathanson, em terceiras núpcias. 

Com ela, tem outros sete filhos, depois do pequeno Sigmund. Mesmo sendo o mais velho desta irmandade, Freud já tem dois meio-irmãos mais velhos, nascidos do primeiro casamento de Jacob.

Originária da Renânia, região alemã banhada pelo rio Reno, a família refugia-se na Áustria para fugir das perseguições anti-semitas. Dramas e incidentes marcam o menino. Quando estava com 19 meses, morre seu irmãozinho Julius, 11 meses mais novo. Pouco tempo depois, em 1858, nasce a irmã Anna. Como companheiro, ele tem o sobrinho John, um ano mais novo, filho de seu meio-irmão Emannuel.

O grande choque é a saída de Freiberg, em 1859, para Leipzig, e, mais tarde, para Viena. Freud sofre dolorosamente com as emigrações. A viagem é de trem. Mais tarde, o doutor Sigmund Freud evocará longamente sua fobia por estradas de ferro.


Freud revê os manuscritos de Moisés e o Monoteísmo, publicado em 1939.
Quando ele está com três anos, a família instala-se em Leopoldstadt, o quarteirão judeu de Viena, numa residência na Weissgärberstrasse. É na casa que, aos oito anos, ele vive uma experiência marcante: ao urinar no quarto dos pais, Jacob berra com o menino: "Este garotinho não será nada na vida!". Sigmund faz de tudo para provar que o pai estava equivocado. Aluno brilhante, lê muito, e apaixona-se pela história da França, ainda que seus autores prediletos sejam Goethe, Schiller, Homero, Shakespeare. Por ocasião da Exposição Universal de Viena, em 1873, ele descobre as teorias de Darwin e o ensaio de Goethe "A Natureza", que o leva a optar pela medicina. O funcionamento das células nervosas das enguias machos de água doce: este o tema de sua primeira publicação, em 1877. Estamos distantes dos problemas da psique, da libido e do inconsciente. O encontro com Marta Bernays é determinante para mudar a orientação de sua carreira. Após ter sido zoólogo, ele se torna fisiologista e pesquisador. Pensa em se casar com Marta, por quem se apaixona loucamente, porém, considera pouco satisfatória a sua situação financeira. Ingressa, então, no Hospital Geral de Viena, onde, em 1885, obtém o diploma em neurologia.
Logo em seguida, fica obcecado pela idéia de ir a Paris e seguir os cursos de Charcot, no Hospital de la Salpêtrière. Consegue, então, uma bolsa de estudos e segue para a capital francesa. 

De Paris, escreve para Marta: "Charcot, cujo cérebro beira à genialidade, está prestes a demolir minhas concepções e meus desígnios. Terminada a aula, saio de lá como se estivesse saindo de Notre-Dame, cheio de idéias novas sobre a perfeição."

De volta a Viena, descreve a histeria masculina perante a Sociedade de Medicina. Um integrante da augusta instituição o aparteia: "Parece um conto de fadas científico", e abandona o recinto. Este episódio leva Freud a refletir e, em conseqüência, a abandonar suas teorias sobre o assunto.
Entre 1892 e 1895, Freud começa a explorar os caminhos que acabam se tornando os alicerces da psicanálise. Dois de seus amigos médicos, Josef Breuer, um dos raros a ajudá-lo durante os estudos universitários, e Wilhelm Fliess, instalado em Berlim, estão na origem desta formidável descoberta.

Breuer entrega a Freud o caso de uma paciente, conhecida pelo pseudônimo de Anna O., considerada gravemente histérica. Anna O. é submetida à hipnose para ser liberada de seus traumas. O caso é relatado por Freud e Breuer em Estudos sobre a Histeria.
Wilhelm Fliess, por sua vez, acompanha as conferências de Freud sobre o sistema nervoso e mantém longa correspondência com ele. Nessa troca de cartas, Fliess expõe algumas de suas teorias, como a da bissexualidade nos seres humanos, o complexo de Édipo, as neuroses e a etiologia sexual.
Em Viena, publica suas observações. Às vezes, a correspondência torna-se mais íntima, a ponto de certas pessoas não hesitarem em afirmar que Freud estava enamorado por Fliess.
Revista História Viva

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