quinta-feira, 14 de março de 2013

Caneca, nosso primeiro padre guerrilheiro

Frei Joaquim do Amor Divino Caneca levou o liberalismo aprendido no Seminário de Olinda às últimas consequências. Contra o autoritarismo de d. Pedro I, pegou em armas, e pagou com a vida pela rebeldia

Ricardo Maranhão

Nenhum carrasco habilitou-se a executá-lo. Nem mesmo em troca da liberdade, presidiário algum aceitou a tarefa. A execução de frei Caneca (detalhe), óleo de Murilo la Greca
Cadeia pública do Recife, 10 de janeiro de 1825. Um homem é condenado à forca, em sentença lavrada por comissão militar nomeada pelo imperador d. Pedro I. A forca está levantada no patíbulo, o condenado já rezou, já se confessou, já adquiriu a serenidade diante do inevitável. Só falta o carrasco. 

A autoridade militar está em busca de um carrasco, que não aparece, pois não há quem queira executar aquele condenado. Manda-se chamar um preso comum, um mulato recrutado às pressas com promessas de benefícios. Mas o mulato não quer enforcar o condenado, mesmo sofrendo ameaças e sendo espancado a coronhadas pela soldadesca.

Nos dias 11 e 12 a tensão da espera continua. Mais um negro, igualmente espancado, e mais outro, igualmente torturado, se recusam a enforcar aquele homem que espera em sua cela. Do lado de fora da prisão, muita gente pede clemência para o condenado. Petições, passeatas de ordens religiosas, nada demove a vontade imperial de executar aquele homem querido e respeitado, e não há carrasco disposto a enforcá-lo. Trata-se do revolucionário liberal Frei Joaquim do Amor Divino Caneca. 

O PANFLETÁRIO

Nascido em Recife em 1799, de origem humilde, Joaquim do Amor Divino vendia canecas nas ruas do Recife quando garoto, daí a origem de seu nome eclesiástico quando se tornou frade carmelita. Educado no Seminário de Olinda, centro de difusão de idéias liberais, tornou-se um dos mais combativos lutadores pela independência e pela república nos anos de 1817 a 1824.
Caneca participou da revolução de 1817, momento decisivo da efervescência política do Nordeste pré-independência, e amargou anos de cadeia por isso. Libertado em 1821, no bojo da luta final pela independência, concretizada no ano seguinte, como inúmeros políticos brasileiros ele passou a concentrar sua atenção na discussão do projeto da Carta Constitucional do nascente Estado. 

NO RECIFE, AS TROPAS INGLESAS MASSACRARAM INDISCRIMINADAMENTE A POPULAÇÃO E INCEDIARAM PARTE DA CIDADE

Mas, depois de nove meses de trabalhos que agitaram o ano de 1823, a Assembléia Constituinte, que daria forma ao regime brasileiro, foi fechada por d. Pedro I, numa crescente afirmação de autoritarismo. As vozes de protesto contra a arbitrariedade ecoaram por todo o país, principalmente no Nordeste. Ali, o fogo revolucionário aceso em 1817 havia deixado fortes brasas, estimuladas novamente pelo gesto do imperador. 

Durante 1823 e 1824, em Recife, vibrou nos ânimos populares a ação de dois jornalistas - ideólogos do movimento -, Cipriano José Barata e Frei Caneca. Em seu jornal Tífis Pernambucano, cujo primeiro número data de 25 de dezembro de 1823, Caneca analisava com ácidas críticas os recentes atos do imperador, e conclamava os pernambucanos à revolta.
Revista História Viva

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